2020 – O ano inesperado
Dois mil e vinte – um ano que se inscreve na história como aquele que surpreendeu a todos. O ano que não foi previsto e que não pediu licença para desacelerar o mundo. Para nos colocar frente a frente com a finitude e impotência diante do desconhecido.
Um tempo de afastamento necessário, de insegurança e medo. As incertezas, que se repetem em diferentes lugares do mundo, desvelam a fragilidade humana. E se por um lado nos afastamos por outro, sentimos o quanto as pessoas e não as coisas, são fundamentais em nosso viver. Quando a livre convivência se tornou um perigo, percebemos que a economia de abraços, visitas e presenças, são inúteis e sem sentido.
Perdemos muitos, mais de 180 mil brasileiros, dentre eles – familiares, amigos, conhecidos, ídolos. Cada perda levando consigo um pouco do amor, da história e da alegria de quem ficou. Muitas destas mortes ocorreram sem a oportunidade de um último adeus, de dar um último abraço, de estar perto. Sabe-se que esta impossibilidade não foi ocasionada pela falta de afeto, nem pela falta de tempo ou vontade, ao contrário, só foi assim por que 2020 se apresenta como um tempo de exceção, de não podermos fazer muitas escolhas, onde pela segurança precisamos nos manter distanciados.
Um ano que se por um lado nos assusta, por outro provoca repensar as escolhas, a vida, as relações. Um ano que nos instigou a diminuir distâncias pela tecnologia e, desta forma, ampliou horizontes e possibilidades de novas formas de contato. Também nos lembrou que as distâncias podem ser relativas, quando percebemos que, o que nos conecta e aproxima, são os vínculos estabelecidos com quem amamos e estimamos. Sejam estes “encontros”, presenciais, virtuais ou mesmo a partir de nossas lembranças e memórias.
2020 potencializou e potencializa sentimentos, deixando claro que somos seres sociais e que só sairemos desta experiência se cuidarmos uns dos outros. E que estarmos afetivamente conectados, pode ser o melhor e o possível a se fazer neste momento e a presença que tanto queremos ter na vida, se tudo der certo, estará logo ali adiante.
E se caso a presença física já não seja mais possível pela morte – condição de quem vive, ilumine seu coração, sua casa e acenda a lembrança do amor que jamais nos separará. Acenda o amor pelos fatos vividos, pela história compartilhada e por aquela lembrança de quem se foi, que está eternizada no seu coração e na sua memória.
Se em 2020 as palavras e sentimentos ficaram presos na garganta, se nos momentos mais difíceis faltaram os abraços amigos, se a solidão por vezes bateu a porta, reconheçamos também os momentos de muita troca de apoio vindo de lugares inusitados, de pessoas desconhecidas e os momentos em que distâncias perderam efeito.
Não sabemos se este ano quis nos ensinar algo, mas não aprender com ele seria um desperdício de oportunidade. Talvez as lições não precisassem ser tão duras, mas uma vez sendo, que façamos o nosso possível em relação a nós mesmos e aos outros – oferecendo nosso melhor sentimento, um olhar generoso, palavras de afeto, escuta, ligações, chamadas de vídeo, pois como diz nosso poeta – Guimarães Rosa*, sobre o correr da vida:
O que ela quer da gente é coragem.
O que Deus quer é ver a gente
aprendendo a ser capaz
de ficar alegre a mais,
no meio da alegria,
e inda mais alegre
no meio da tristeza!
Que 2020 passe, com a certeza de que podemos ser melhores.
*João Guimarães Rosa (1908-1967). O texto é um trecho do romance Grande Sertão Veredas.
Texto escrito pela Psicóloga Ana Maria Dall’Agnese